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VIAGEM

14 de October de 2008

Diz um poeta que o pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar…

Estava eu me divertindo com os absurdos daquele programa humorístico chamado propaganda eleitoral obrigatória, ouvindo um candidato afirmar que corintiano vota em corintiano, outro conclamando os eleitores a lhe elegerem, pois ele pretendia ser um ótimo vereador, quando meus pensamentos me fizeram voar…

Estão construindo, muito próximo à minha residência, um desses prédios chamados de alto padrão. Obras iniciadas, dizia a propaganda da construtora. Com um bilhete de aposta para o próximo concurso da mega sena no bolso – o prêmio estava acumulado – e a quase certeza que os anões do orçamento conseguiram outras formas de lavar dinheiro, o que aumentava muito a minha chance de dar uma beliscadinha naquele prêmio, fui dar vazão à minha curiosidade. Como é um prédio de alto padrão?

O corretor, muito solicito, explicou que além do ótimo acabamento, amplos espaços e muitas outras vantagens em cada unidade, a área comum era comparável a um show do U2 no Morumbi. Piscinas com deck, salão de fitness completo, etc., etc., etc. Ao terminar as explanações, perguntei sobre as tais obras iniciadas… Ele, então, chamou um ajudante geral, que me proporcionou um tour pelo canteiro de obras. Nada vi além de um buraco enorme, metros e metros de buraco no chão… e perguntei ao meu cicerone: Mas cadê as obras? Recebi a resposta que não esperava: “Moço, o senhor se lembra do edifício Palace? Não queremos que aconteça a mesma coisa aqui… Por isso, além da qualidade do material, precisamos fazer as fundações da forma correta, para que a base da construção seja sólida… O senhor consegue imaginar algum desses bacanas que morarão aqui se divertindo na piscina e ela começar a vazar por problemas na base da construção?”.

Como eu gostaria que TODOS os políticos brasileiros passassem algumas horas com aquele rapaz… Talvez eles aprendessem que sem uma base sólida não há alto padrão que resista.

Assim é um País, um Estado, um Município. Antes de pensar em construir estradas do primeiro mundo, projeto belezura e outros que tais, nossos governantes deveriam se preocupar com as bases sólidas. Primeiro fazer a fundação, para depois se preocupar com o acabamento. Pena que essa noção esteja totalmente invertida no Brasil…

São bases sólidas para a construção de uma nação: Uma boa EDUCAÇÃO, o acesso universal à SAÚDE de qualidade e a SEGURANÇA PÚBLICA. Sem esse tripé, não há construção que resista.

Creio que todos os políticos, mais cedo ou mais tarde, são acometidos por uma doença específica da profissão: a miopia política. Essa doença faz com que eles não consigam enxergar NADA além daquilo que possa lhes proporcionar uma reeleição…mais tempo no poder, mais tempo para poder se locupletar. Não fosse isso, eles perceberiam que EDUCAR a população e CONSTRUIR ESCOLAS não são sinônimos; que proporcionar SAÚDE DE QUALIDADE não significa construir hospitais, e prover SEGURANÇA à população não é a mesma coisa que fornecer coletes à prova de balas aos policiais.
Claro que é necessário construir escolas, hospitais, fornecer material para a polícia trabalhar… mas nada disso adiantará se não se levar em consideração a qualificação profissional daqueles que têm como função EDUCAR, PROMOVER A SAÚDE – em todos os níveis, e PROMOVER A SEGURANÇA PÚBLICA.

Ocorre que esses profissionais são exatamente aqueles mais atingidos pela política de contenção de gastos dos últimos governos. A impressão que tentam passar para a população é que os professores, médicos, enfermeiros, policiais, entre outros, são os responsáveis pelo que os governantes chamam de desperdício do dinheiro público. Algum tempo atrás – os mais cinqüentões com certeza se lembrarão – fomos responsabilizados pela inflação…

O resultado dessa política massacrante para o funcionário público aí está: aqueles que nos dedicamos às funções primordiais do Estado – EDUCAÇÃO, SAÚDE e SEGURANÇA – nos encontramos em situação desesperadora. Como continuar educando, se falta comida em casa? Como prestar um bom atendimento médico, se para sobreviver o profissional da saúde tem que se submeter a uma jornada de trabalho absolutamente estafante, atendendo em um plantão de 12 horas mais de 30 pacientes? Como prover Segurança, se para sobreviver o policial tem que arrumar bicos que se tornam muito mais importantes para ele que o trabalho como policial, pela diferença salarial?

O fato é que só estamos nas nossas profissões por vocação – ou masoquismo, diriam alguns. Não fosse esse o caso, com certeza não nos submeteríamos a tamanhas humilhações e sofrimentos.

A malfadada “lei da responsabilidade fiscal” limitou os gastos dos governantes com a folha de pagamento. Foi um prato cheio para os governantes…um argumento “indiscutível”, dizem eles. Pura burrice. Para prover Educação, Saúde e Segurança, o gasto com pessoal TEM que ser elevado. Não há educação sem professor…não há saúde sem médicos, enfermeiros, etc. … não há segurança sem policiais, promotores, juizes…

Ao invés de coibir a farra do boi, o único efeito prático dessa lei foi diminuir ainda mais a qualidade dos serviços que o Estado deveria prestar.

Cansei de voar. Não ganhei na mega-sena acumulada. Por hoje chega.

ATÉ A VITÓRIA FINAL

Flávio Lapa Claro
Investigador de Polícia
DAS/DEIC

POLÍCIA CIVIL DE SÃO PAULO

2 de October de 2008