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Blogosfera policial cresce no país e vira estudo da ONU

10 de April de 2009




Blogosfera policial cresce no país e vira estudo da ONU

O número de blogs feitos por policiais vem aumentando expressivamente no País. Desde 2006, ano da criação do primeiro deles, o “Diário de um PM”, do policial Alexandre Souza, já entraram no ar 65 sites, ainda hoje ativos, segundo levantamento do blog “Abordagem Policial”, espalhados por 14 Estados brasileiros.

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Entre os motivos da proliferação desses blogs estão a dificuldade que os policiais têm para se manifestar dentro da estrutura rígida de disciplina e hierarquia da corporação e a facilidade da construção dos diários virtuais. O crescimento chamou atenção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que resolveu fazer um estudo para ver no que esses blogs podem contribuir para a discussão de soluções para a segurança pública. O trabalho está em andamento e é feito em parceria com Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro.
“Já era blogueiro, então já conhecia o meio. E havia uma necessidade de expressão e não encontrávamos um ambiente próprio”, conta Danillo Ferreira, um dos autores do blog “Abordagem Policial”. De acordo com a socióloga Silvia Ramos, que está coordenando a pesquisa da parceria com a Unesco, esse é o primeiro estudo sobre essa nova tendência na cobertura de assuntos relativos à segurança e à criminalidade. “O que me chamou a atenção foi a maneira como muitos blogs se posicionavam. Eles queriam falar, chamar a palavra, dar a versão deles sobre os acontecimentos”, explica a socióloga. “Queremos entender como o fenômeno dos blogs pode ajudar na definição da agenda de discussões sobre segurança, qual o poder multiplicador por trás deles”, explica Guilherme Canela Godoi, coordenador do setor de comunicação e informação da representação da Unesco no Brasil.
Uma característica marcante do movimento de blogueiros policiais é a busca pela integração. Praticamente todos os blogs policiais têm os outros policiais blogueiros como público. Souza, o pioneiro, cunhou a expressão “Blogosfera Policial” para denominar o conjunto de blogs cujos autores são policiais, e a contagem dos blogs ativos é compilada pelo “Abordagem Policial”. “Acho que em nenhuma outra profissão há essa ligação e união entre os blogueiros, como entre os policiais”, aponta Ferreira. Para Silvia Ramos, há ainda outra explicação para o fenômeno crescente: “Há um choque entre os policiais novos entrando nas corporações e a tradição da polícia”, afirma.
Além da necessidade de expressão, a repercussão possibilitada pela internet é também motivadora. “Queria dar mais visibilidade à minha visão sobre a administração da Segurança Pública no Rio, ainda na época do Marcelo Itagiba (deputado federal e secretário de segurança durante o governo Rosinha Garotinho)”, afirma o major Wanderby Medeiros, do blog com seu nome.
O blog de Wanderby é um dos mais ácidos nas críticas à administração do Rio. O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, é alvo de diversas críticas no blog. As enquetes feitas por Wanderby também são fortemente críticas: questões propostas variam desde “Houve fraude na eleição de (Eduardo) Paes?” a “O delegado Beltrame deve ser exonerado?”. Sobram farpas para o governador Sérgio Cabral. O major foi denunciado por críticas ao chefe do Estado Maior, coronel Antônio Carlos Suárez David, e ao comandante-geral da PM do Rio, Gilson Pitta Lopes. “Meu blog é um retrato do que eu penso”, afirma.
Embora a pesquisa da Unesco ainda esteja no começo, duas tendências já se destacam entre os blogs de policiais, segundo Silvia Ramos: existem blogs mais rebeldes, com críticas ao comando e revolta por salários e condições de trabalho, e aqueles que privilegiam “serviços”. “No blog ‘Diário de um PM’, por exemplo, há muitos comentários em postagens sobre concursos da PM e cursos voltados aos policiais”, afirma. Ela também observa que vários dos blogs de policiais acabam se limitando a reproduzir notícias veiculadas na imprensa. “Não há em alguns deles uma produção própria”, observa.

Censura

A temática dos blogs é variada, embora a discussão da questão salarial seja um fator em comum na maioria deles. Outro tema recorrente é a censura a que são submetidos os blogs policiais.
O Blog “Abordagem Policial”, por exemplo, tem posts discutindo as restrições a que são submetidos os militares e defendendo maior liberdade de manifestação.
O capitão da PM do Rio Luiz Alexandre também discorre sobre o tema, embora com tom mais crítico.
Luiz Alexandre, que já foi chamado a prestar esclarecimentos à Corregedoria da PM por conta de postagens no blog, não poupa críticas a Beltrame em sua página.
O governo do Rio também é duramente criticado em páginas mantidas anonimamente por policiais.
A maioria dos blogueiros policiais, contudo, assume nome e posição na corporação.
Há ainda o blog “Depoimento Anônimo”, cujo autor se identifica apenas como “um escrivão de polícia”. A temática de seu site é contar casos do cotidiano de um escrivão.
Sobram também críticas para a cobertura que a imprensa faz sobre assuntos de polícia, como no blog “Crônicas de um Sargento de Polícia”, que também fala bastante das situações difíceis encontradas pelos policiais durante sua atuação profissional. Além de notícias sobre concursos da polícia e sobre eventos e cursos disponíveis para policiais, o blog “Diário de um PM” tem como um diferencial a contagem dos PMs mortos no Rio no ano. Já o “Diário do Stive” (com “i” mesmo) mantém uma tabela com dados sobre os salários de policiais pelo Brasil, abastecida com informações pelos agentes de todos os Estados.
“Desde que fiz meu blog pude conhecer PMs do Brasil inteiro”, afirma o soldado Robson Niedson, do blog “Diário do Stive”. Ele também tem um fórum dedicado às discussões relevantes para a categoria, como a questão salarial. “Ainda não tem a movimentação que eu esperava”, admite. No seu Estado, Goiás, a própria Polícia Militar tem um blog corporativo (o primeiro da América Latina), e o comandante-geral da PM do Estado, coronel Carlos Antônio Elias, também é blogueiro.
“Isso acaba com a visão de que a liderança é ausente e traz um reflexo positivo da figura do comandante, reforçando o princípio comunitário da polícia. Estou tendo uma boa resposta da tropa”, afirma o coronel, sobre seu blog pessoal. Sobre a página corporativa, ele aponta que surgiu da necessidade de aproximar a PM do cidadão, criando um ambiente mais interativo. “Queremos implementar a polícia comunitária, mais próxima da população”, diz. Para Danillo Ferreira, é importante estimular mais policiais a usarem a ferramenta da internet para manifestação de opiniões.

Estudo

Para realizar o estudo, previsto para ser concluído em novembro deste ano, as pesquisadoras Silvia Ramos e Anabela Paiva vão estudar cada um dos blogs, analisando o conteúdo. Também estão previstos encontros de discussão: o primeiro foi realizado no dia 27 de março, organizado pelas embaixadas de Canadá e Estados Unidos, no Rio de Janeiro. O estudo será completado com entrevistas com os blogueiros. A Unesco financiará o projeto. De acordo com Godoi, coordenador do setor de comunicação e informação da representação da Unesco no Brasil, a organização lançou um edital para a escolha do pesquisador que seria responsável por coordenar o estudo.

“Recebemos cerca de 15 a 20 interessados, e a professora Silvia foi a escolhida por causa do seu currículo e de seus estudos sobre relação entre mídia e violência”, explica Godoi. Segundo ele, os resultados obtidos na pesquisa irão ajudar a Unesco a determinar suas novas ações sobre discussão de segurança pública no País.

Policiais blogueiros denunciam censura e até prisão

Se um dos motivos da proliferação dos blogs feitos por policiais foi a possibilidade de ter liberdade de expressão, a experiência mostrou que, no caso deles, até na internet há censura.

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Policiais que se aventuram a manifestar suas insatisfações e críticas a comandantes na “Blogosfera Policial”, além de manifestações políticas, convivem com a possibilidade de sanções que vão de repreensões a até prisões. Não há, oficialmente, nenhuma regra no regimento policial militar que proíba o agente de segurança de manter um diário virtual na internet. Como qualquer cidadão, ele tem direito a se expressar livremente. Agora, quando se identifica como PM, está sujeito às punições previstas em regimento da corporação.

“Existe uma limitação à expressão de militares”, afirma Danillo Ferreira, do blog “Abordagem Policial”. Em um vídeo publicado no site YouTube e reproduzido em diversos dos blogs policiais, o coronel Ronaldo de Menezes comenta sobre os quatro dias em que cumpriu prisão disciplinar no 4º Comando de Policiamento de Área, segundo ele por ter publicado artigo na internet sobre a segurança pública no Rio. O deputado estadual Flávio Bolsonaro denunciou em discurso na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que o capitão Luiz Alexandre da Costa ia ser transferido de posto ao manifestar solidariedade ao coronel preso. Sua transferência acabou não sendo confirmada. Em seu blog, “Luiz Alexandre – Capitão da Polícia Militar do Rio de Janeiro”, o capitão acabou não comentando o fato, embora desde a denúncia, no dia 17 de março, tenha ficado quase 20 dias sem atualizar a página – ele explica que por problema de saúde de pessoa próxima à família. Procurado por telefone e e-mail, o Comando-Geral da PM do Rio não retornou para falar sobre os casos específicos de punições a policiais.

De acordo com o artigo 166 do Código Penal Militar – aplicado tanto na PM como no Exército – é proibida a manifestação pública de críticas a superiores por parte do militar. Segundo a socióloga Silvia Ramos, da Universidade Cândido Mendes, que está fazendo uma pesquisa sobre os blogs policiais, há um receio muito grande por parte dos PMs de se manifestarem. “Imagine que uma crítica no caso deles pode levar à prisão, então é complicado”. Ela admite inclusive que tem encontrado obstáculos na sua pesquisa para chegar aos blogueiros policiais para obter entrevistas. “Muitos deles não aceitam falar, precisam de autorização superior, e acabam tendo muito receio”, conta. Até mesmo a participação de alguns policiais blogueiros no Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi proibida.

No Regimento Disciplinar da Polícia Militar do Rio de Janeiro, de 2002, não há uma proibição expressa à manifestação de policiais em blogs. Contudo, o artigo 3 do documento diz que “a hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar”. Assim, entre as infrações disciplinares consideradas graves estão “ofender, provocar ou desafiar seu superior, igual ou subordinado, com palavras, gestos ou ações” e “publicar ou fornecer dados para publicação de documentos em que seja recomendado o sigilo sem permissão ou ordem da autoridade competente”, delitos em que, dependendo de análise da autoridade militar, podem ser enquadrados os policiais que manifestarem opiniões críticas publicamente, caso da web.

A punição aos policiais é estabelecida em processos administrativos internos da corporação. Como não há uma determinação expressa sobre a internet, cada caso é avaliado individualmente e, se o comando julgar que há razões para a instauração do processo, o policial é comunicado e tem acesso a ampla defesa. Entre as penas, além da prisão, há a possibilidade de afastamento.
Um caso emblemático é o do major Wanderby Medeiros, que em seu blog se define como “‘criminoso militar’ em série confesso”. Ele já recebeu diversas repreensões por postagens em seu blog e agora foi denunciado, com base no artigo 166 do Código Penal Militar, por críticas ao chefe do Estado Maior, coronel Antônio Carlos Suárez David, e ao comandante-geral da PM do Rio, Gilson Pitta Lopes.

“Fui excluído do quadro de acesso a promoções e agora posso ser transferido para a inatividade sob alegação de ‘insuficiência moral'”, denuncia Wanderby, que afirma que seu caso é inédito. “É um sentimento grande de injustiça, mas não tenho medo. Em hipótese nenhuma deixaria de escrever o que escrevo”, afirma.
Sua página reúne diversos textos e enquetes com ácidas críticas ao comando da PM, ao secretário de Segurança do Estado, José Mariano Beltrame, e até ao governador Sérgio Cabral (PMDB). “Sem o direito à manifestação de opinião não há democracia plena”, diz.
Civis

As punições a PMs que se aventuram a dar opiniões na internet acabam chamando mais a atenção por conta da rigidez, dada a estrutura hierárquica militar. Contudo, policiais civis também podem sofrer sanções por conta do que publicam na web. Em São Paulo, ficou marcado o caso do blog “Flit Paralisante”, do delegado da Polícia Civil Roberto Conde Guerra, que trazia críticas ao governo estadual. Blog muito ativo durante a greve da Polícia Civil paulista no ano passado, teve de retirar conteúdo do ar por ordem judicial.
Como a estrutura das duas polícias é diferente, o policial civil não está submetido ao Código Penal Militar.